1- Introdução – Ética, Direitos Humanos e Cidadania

Os Direitos Humanos, expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, constituem uma base universal de princípios e valores que dizem respeito às garantias mínimas de uma vida digna à qual todo Ser Humano tem direito. Essa Declaração é reconhecida por quase todas as Nações, sendo incorporada, inclusive, pela maioria das Constituições Nacionais.

A realidade Brasileira tem demonstrado, insistentemente, que apesar do caráter universal dos direitos afirmados na Declaração, sua efetivação não depende exclusivamente de seu reconhecimento. Ao contrário, depende de uma luta cotidiana cuja responsabilidade é de todos e de cada um de nós.

A violação dos Direitos Humanos e dos direitos de Cidadania tem sido uma prática constante em nossa realidade e os fatores que contribuem para essa situação são muitos e de várias ordens. Ela expressa, em grande medida, o grau de violência de nossas relações sociais e o nível de intolerância da sociedade em conviver democraticamente com as diferenças.

Essas características de nossa sociabilidade – violência e intolerância – em parte herdadas de nossa colonização têm sido reforçadas pelo individualismo, pelo consumismo e pela falta de consciência ecológica que vem moldando o significado da vida em sociedade, nas últimas décadas.

Uma das possibilidades de superação desses limites para a convivência democrática entre os diferentes, pautada nos Direitos Universais – Humanos e de Cidadania -, passa pela nossa consciência ética.

A consciência ética nada mais é do que a nossa capacidade de reconhecer no outro – ainda que seja diferente – a nossa própria Humanidade. Ou seja, aquela luta cotidiana pela efetivação dos Direitos Humanos e de Cidadania, à qual nos referimos anteriormente, nada mais é do que a luta pela efetivação dos nossos próprios direitos enquanto membros da comunidade Humana. Quando aceitamos que os direitos de uma pessoa sejam violados, na verdade, do ponto de vista ético, estamos aceitando uma situação que ameaça o direito de todos.

No caso específico da Redução de Danos, a falta de uma consciência ética coloca-se no seguinte horizonte: Quando uma sociedade não reconhece os direitos de uma pessoa que faz uso de uma droga ilícita, significa que essa sociedade, do ponto de vista ético, está afirmando que umas pessoas são mais Cidadãs do que outras. Portanto, a condição de Cidadão, nesse caso, passa a ser secundária em relação á de usuário de droga, ou seja, primeiro a pessoa é julgada por fazer uso de droga e, em decorrência disso, perde o reconhecimento de sua condição de Cidadão.

Essa é uma característica muito marcante de nossa sociedade, atingindo os usuários de drogas ilícitas, que sofrem discriminação. Os usuários – mesmo quando dependentes – de álcool e de tabaco, no entanto, não têm a sua Cidadania negada na mesma intensidade que os usuários de drogas ilícitas, simplesmente porque fazem uso de drogas socialmente aceitas – ainda que a dependência seja uma condição de saúde, sem nenhuma relação com a legalidade ou ilegalidade da droga.

Nessa direção, a consciência ética nos permite exatamente inverter essa ordem perversa. A pessoa que faz uso de droga – lícita ou ilícita – é antes e primeiramente, Ser Humano e Cidadão, e dessa forma, portador dos mesmos direitos de um Cidadão que não usa droga. Uma vez reconhecido como Cidadão, esta mesma sociedade, do ponto de vista ético e com base nos direitos por ela reconhecidos, deverá incluí-lo no conjunto de respostas sociais e de saúde que tenham por objetivo reduzir tanto o consumo quanto os danos sociais e de saúde decorrentes dos diferentes usos das diversas drogas – sejam elas lícitas ou ilícitas.

Ao reconhecer a condição de Cidadão e os direitos dos usuários de drogas ilícitas, estamos, na verdade, afirmando nossa existência ética. Ou seja, ao reconhecer os direitos do outro – que é diferente – estou, do ponto de vista ético, dizendo para o conjunto das pessoas que fazem parte dessa sociedade como eu gostaria de ser tratado, caso estivesse naquela situação.

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