6.6 - O Trabalho de Campo

6.6 - O Trabalho de Campo

A experiência dos PRDs Nacionais e o amadurecimento das atividades de campo mostraram que muitas de nossas crenças e modelos, nossas verdades tão duramente sustentadas, caem por terra quando são confrontadas com a realidade observada no convívio com os Uds, e principalmente, quando começamos a fazer parte integrante da vida dessas pessoas, a partilhar seus hábitos, a conhecer seus métodos de ação e sua forma de vida, seus valores sociais, e seus papéis na estrutura criada para o consumo de drogas.

Essa é uma etapa normal do processo, cujas dificuldades são necessárias reconhecer. Apesar delas, a prática nos permite, aos poucos, reconhecer até onde podemos ir
É fundamental que tenhamos a capacidade de reconhecer a nossa carga de preconceitos, limitações, e mecanismos de defesa e, por meio de ações adequadas, descontruí-los, para que daí surja uma nova percepção, interna e muito mais eficiente e perceber a importância e os resultados da estratégia de redução de danos. A prática mostra-nos que as dificuldades iniciais não são insuperáveis e que na verdade, são preconceitos que nos impedem de estar ali no momento certo.

A abordagem recomendada para uma educação preventiva, integral, verdadeira e eficiente necessita da coordenação de um esforço duma equipe interdisciplinar baseado na compreensão profunda dos sintomas sociais.

Independente da linha teórico-metodológica seguida a partir das abordagens que são executadas (abordagem inicial), existe habilidades básicas que são comuns a todos os profissionais que pretendem estabelecer uma relação de ajuda. Essas habilidades auxiliarão o agente a melhorar a auto-observação profissional e a comunicação melhor com seu público-alvo. Numa relação de ajuda, é importante que o agente tenha uma visão clara do que está acontecendo consigo mesmo, de modo a ter a isenção necessária para saber o que está acontecendo com o outro para o trabalho de campo.

A abertura de novas frentes de trabalho – conhecida como “abertura de campo” – é um processo que pressupõe:

- A conquista da confiança da população de UD e da comunidade em que ela se insere.
- Conhecimento dos códigos culturais e das linguagens utilizados por eles.
- Estabelecimento de objetivos e limites claros do trabalho.
- A incorporação, pelo redutor de danos, dos princípios e práticas que ele busca transmitir.

No início de uma abertura de campo, o papel do redutor é importantíssimo, pois ele é quem vai fazer a ponte entre a comunidade e a instituição que sedia o PRD.

O redutor tem que dispor de bastante tempo para estar em campo, inclusive em horários diversificados, pois, só assim ele pode perceber aqueles de maior concentração de Uds, de venda e de uso para, a partir desse conhecimento, escolher os melhores momentos para atuar.

Uma das primeiras ações para a abertura de um campo consiste na apresentação do redutor.

Isso deve ser feito por alguém da região que tenha aceitação pelo grupo de Uds, idealmente um UD daquele local, se não houver na equipe, redutores de danos pertencentes à comunidade ou à rede de Uds que se quer acessar.

A partir daí, deve-se deixar bem claro para a comunidade em geral que a presença de redutores de danos é para tratar de questões de saúde. Temos que falar sobre Dsts, AIDS, Hepatites, uso correto da camisinha, e outras informações sobre cuidados com o corpo e a saúde. Geralmente lidamos com pessoas carentes de informação sobre o assunto.

Sempre que possível, aproveitar agrupamentos de pessoas para fazer reuniões rápidas e objetivas nos locais de concentração de Uds, com o apoio de material educativo, preferencialmente ilustrado (com informações sobre DSTs, por exemplo). Essa é uma forma de atrair e provocar discussões sobre práticas sexuais seguras, e ao mesmo tempo, promover uma maior aproximação entre redutores, comunidade e Uds.

Essa é uma das táticas mais apropriadas para se abrir uma frente de trabalho, pois a comunidade percebe mais claramente o objetivo de nossa ação, que é promover saúde.
A partir das sessões educativas, aos poucos vão surgindo demandas e os primeiros encaminhamentos a serviços de saúde que, por sua vez, aumentam o vínculo e a confiança.

O trabalho de campo requer a busca constante e a manutenção da confiança dos Uds e de suas comunidades.

A equipe do projeto e, em especial os redutores de danos costumam ser testados por eles. Atitudes como vender drogas na proximidade do redutor de danos, mostrarem que está armado e usar drogas na presença tem, muitas vezes, o objetivo de verificar sua reação, se é de tranqüilidade, de medo ou de quem quer ver demais (informante).

Nesse sentido, é uma regra básica que “o que se vê no campo, fica no campo.” Devemos ouvir mais e falar menos.

Identificar demandas por assistência e fazer encaminhamentos para serviços de saúde constituem ações que facilitam a abertura de um campo novo: um UD encaminhado para tratamento médico – principalmente se ele foi bem atendido e tratado sem preconceitos – retorna para a comunidade confiando no trabalho e falando bem, aumentando assim o vínculo e a confiança na equipe do projeto, ao mesmo tempo em que esse fato demonstra na prática, nossas intenções e capacidade de resposta.

As táticas empregadas para abertura de campo devem objetivar obter autorização e aceitação pela comunidade, razão pela qual não podemos de início, limitarmos apenas a contatar Uds. Abordar e levar informações para não-usuários de drogas é altamente produtivo nesse sentido.

Algumas atividades de aproximação se mostram efetivas:

- Desenvolver atividades com as crianças da comunidade como, por exemplo, jogos educativos;
- Passar filmes de educação para a saúde, em especial relacionados às DSTs, AIDS e drogas;
- Realizar reuniões na associação de moradores para falar do projeto;
- Fazer contato com os comerciantes do local para explicar o trabalho e pedir para afixar cartazes e distribuir material informativo e educativos e preservativos no estabelecimento;
- Distribuir por toda a comunidade, material informativo e educativo como folder, cartazes, cartilhas, etc...

A demonstração do uso correto da camisinha – realizada em qualquer dos eventos acima citados – gera um momento de descontração e brincadeiras, entre a equipe de redutores de danos e a comunidade, durante o qual todos se divertem com o pênis de borracha.

Contatos com os comerciantes do local – principalmente nos botecos (pequenos comércios, barracas, bodegas) que os Uds mais freqüentam – são geralmente muito proveitosos. Os comerciantes locais, são em geral, favoráveis ao trabalho de redutores de danos, pois entendem que a nossa preocupação é com a saúde dos Uds, e é possível transformar o boteco em um espaço de prevenção (colar cartazes, deixar materiais informativos e educativos, distribuir preservativos, guardar material de campo). O que torna freqüente que esses comerciantes se tornem colaboradores do projeto, sendo chamados de amigos do PRD.

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