Hepatites virais
As hepatites virais são doenças provocadas por diferentes agentes etiológicos, com tropismo primário pelo tecido hepático, que apresentam características epidemiológicas, clínicas e laboratoriais semelhantes e importantes particularidades. As hepatites virais têm grande importância pelo número de indivíduos atingidos e pela possibilidade de complicações das formas agudas e crônicas.
A distribuição das hepatites virais é universal, sendo que a magnitude dos diferentes tipos varia de região para região. No Brasil, há grande variação regional na prevalência de cada um dos agentes etiológicos; devem existir cerca de dois milhões de portadores crônicos de hepatite B e três milhões de portadores da hepatite C. A maioria das pessoas desconhece seu estado de portador e constitui elo importante na cadeia de transmissão do vírus da hepatite B (HBV) ou do vírus da hepatite C (HCV), que perpetua as duas infecções.
A principal via de contágio do vírus da hepatite A (HBA) é a fecal-oral; por contato inter-humano ou através de água e alimentos contaminados. Há grande quantidade de vírus presente nas fezes dos indivíduos infectados. A prática de sexo oro-anal pode ser responsável por alguns casos. A transmissão parenteral é rara, mas pode ocorrer se o doador estiver na fase de viremia dentro do período de incubação. A disseminação está relacionada com o nível socioeconômico da população, e grau de saneamento básico, de educação sanitária e condições de higiene e da população. A doença é autolimitada e de caráter benigno. Cerca de 0,1% dos casos pode evoluir para hepatite fulminante, percentual que é maior acima dos 65 anos. Pacientes que já tiveram hepatite A adquirem imunidade para esta, mas permanecem susceptíveis às outras hepatites.
A transmissão do vírus da hepatite B (HBV) se faz por via parenteral, e, sobretudo, pela via sexual, sendo considerada doença sexualmente transmissível. A transmissão vertical (materno-infantil) também é causa freqüente de disseminação do vírus. De maneira semelhante às outras hepatites, as infecções causadas pelo HBV são habitualmente anictéricas. Apenas 30% dos indivíduos apresentam a forma ictérica da doença, reconhecida clinicamente. Aproximadamente 5% a 10% dos indivíduos infectados tornam-se portadores crônicos do HBV. Caso a infecção ocorra por transmissão vertical, a chance de cronificação é de cerca de 70 a 90%. Cerca de 20 a 25% dos casos crônicos com replicação viral evoluem para doença hepática avançada (cirrose).
O vírus da hepatite C é o principal agente etiológico da hepatite crônica anteriormente denominada não-A não-B. Sua transmissão ocorre principalmente por via parenteral.
Em percentual significativo de casos não é possível identificar a via de infecção. São consideradas populações de risco acrescido para a infecção pelo HCV por via parenteral: indivíduos que receberam transfusão de sangue e/ou hemoderivados antes de 1993, usuários de drogas intravenosas ou usuários de cocaína inalada que compartilham os equipamentos de uso, pessoas com tatuagem, piercing ou que apresentem outras formas de exposição percutânea (por exemplo: atendentes de consultórios odontológicos, podólogos, manicures, etc que não obedecem às normas de biossegurança). A transmissão sexual é pouco freqüente (risco de 2 a 6% para parceiros estáveis) e, ocorre principalmente em pessoas com múltiplos parceiros e com prática sexual de risco (sem uso de preservativo). A coexistência de alguma DST – inclusive o HIV – constitui-se em um importante facilitador dessa transmissão. A transmissão da hepatite C de mãe para filho (vertical) ocorre em 3-5% dos casos. Entretanto, já se demonstrou que gestantes com carga viral do HCV elevada ou co-infectadas pelo HIV apresentam maior risco de transmissão da doença para os recém-nascidos. Após contato com o HCV a chance de cronificação da infecção é de 70 a 85% dos casos, sendo que, em média, um quarto a um terço deles evolui para formas histológicas graves no período de 20 anos. O restante evolui de forma mais lenta e talvez nunca desenvolva hepatopatia grave.
O Vírus Delta (HDV) é um vírus defectivo, satélite do HBV, que precisa do HBsAg (antígeno de superfície do HBV) para realizar sua replicação. A hepatite delta crônica ocorre em áreas endêmicas da Itália, Inglaterra e Brasil (Região Amazônica). Devido a sua dependência funcional do vírus da hepatite B, o vírus delta tem mecanismos de transmissão idênticos aos do HBV. Desta forma, pode ser transmitida através de solução de continuidade (pele e mucosa), relações sexuais desprotegidas, via parenteral (compartilhamento de agulhas e seringas, tatuagens, piercings, procedimentos odontológicos ou cirúrgicos, etc). A transmissão vertical (mãe-filho) pode ocorrer e depende da replicação do HBV.
O vírus da hepatite E (HEV) é de transmissão fecal-oral. Essa via de transmissão favorece a disseminação da infecção nos países em desenvolvimento onde a contaminação dos reservatórios de água perpetua a doença. A transmissão interpessoal não é comum. Em alguns casos os fatores de risco não são identificados. A doença é autolimitada e pode formas clínicas graves principalmente em gestantes.
As seguintes situações clínicas devem ser consideradas como suspeitas de hepatite viral:
• Icterícia aguda e colúria;
• Icterícia aguda, colúria, e aminotransferases (transaminases) > 3 vezes o limite superior da normalidade;
• Aminotransferases (transaminases) > 3 vezes o limite superior da normalidade;
• História de exposição percutânea ou de mucosa a sangue e/ou secreções de pessoas portadoras ou com suspeita de infecção pelo HBV ou HCV;
• História de contato sexual ou domiciliar com indivíduo sabidamente HBsAg reagente e/ou anti-HBc reagente;
• Exames sorológicos de triagem reagentes para hepatites (doadores de sangue e/ou órgãos, usuários de hemodiálise e ambulatórios de DST).
A história pregressa detalhada do paciente com suspeita de hepatite pode auxiliar bastante na orientação do diagnóstico etiológico. A condição de saneamento básico e o local de residência/procedência também devem ser pesquisados. Ao exame físico, deve-se pesquisar a presença de lesões sugestivas de uso de drogas injetáveis, tatuagens e piercings.
Os testes de função hepática, especialmente os níveis séricos da ALT/TGP e AST/ TGO, apesar de serem indicadores sensíveis do dano do parênquima hepático, não são específicos para hepatites. Os exames específicos para o diagnóstico são sorológicos e de biologia molecular.
Os testes de biologia molecular são utilizados para detectar a presença do acido nucléico do vírus (DNA para o vírus da hepatite B e RNA para os demais vírus da hepatite). Os testes podem ser qualitativos (indicam a presença ou ausência do vírus na amostra pesquisada), quantitativos (indicam a carga viral presente na amostra) ou de genotipagem (indicam o genótipo do vírus). Na prática, os testes de biologia molecular são utilizados pelos especialistas, sobretudo, para confirmação diagnóstica e acompanhamento terapêutico da hepatite crônica pelo vírus C. A utilização de tais testes para hepatite B restringe-se a situações especificas de suspeita de mutações do vírus. Para os outros tipos de hepatites, com raras exceções, a biologia molecular é utilizada apenas no campo das pesquisas.
FLUXOGRAMAS LABORATORAIS DAS HEPATITES VIRAIS