Leishmaniose visceral (Calazar)

1.0 Características clínicas e epidemiológicas

1.1. Descrição

A leishmaniose visceral (LV) é, primariamente, uma zoonose que afeta outros animais além do homem. Sua transmissão, inicialmente silvestre ou concentrada em pequenas localidades rurais, já está ocorrendo em centros urbanos de médio e grande porte, em área domiciliar ou peri-domiciliar. É um crescente problema de saúde pública no país e em outras áreas do continente americano, sendo uma endemia em franca expansão geográfica. É uma doença crônica, sistêmica, caracterizada por febre de longa duração, perda de peso, astenia, adinamia, anemia, dentre outras manifestações. Quando não tratada, pode evoluir para óbito, em 1 ou 2 anos, após o aparecimento da sintomatologia.

1.2. Sinonimia

Calazar, esplenomegalia tropical, febre dundun, dentre outras denominações menos conhecidas.

1.3. Agente etiológico

No Brasil, é causada por um protozoário da família Tripanosomatidae, gênero Leishmania, espécie Leishmania chagasi. Seu ciclo evolutivo é caracterizado por apresentar duas formas: a amastigota, que é obrigatoriamente parasita intracelular em vertebrados, e a forma promastígota, que se desenvolve no tubo digestivo dos vetores invertebrados e em meios de culturas artificiais.

1.4. Reservatório

Os reservatórios do agente etiológico, no ambiente silvestre, são as raposas (Dusycion vetulus e Cerdocyon thous), além do marsupial (Didelphis albiventris). Na área urbana, o cão (Canis familiaris) é a principal fonte de infecção. Os cães infectados podem ou não desenvolver quadro clínico da doença, cujos sinais são: emagrecimento, eriçamento e queda de pêlos, nódulos ou ulcerações (mais freqüentes nos bordos das orelhas), hemorragias intestinais, paralisia de membros posteriores, ceratite com cegueira e caquexia. Pode evoluir para morte, nos casos mais graves. O reconhecimento das manifestações clínicas destes reservatórios é importante, para a adoção de medidas de controle da doença. Os canídeos apresentam intenso parasitismo cutâneo, o que permite uma fácil infecção do mosquito, e, por este fato, são os mais importantes elos na manutenção da cadeia epidemiológica.

1.5. Vetores

No Brasil, a principal espécie de vetor responsável pela transmissão da Leishmania chagasi, é a Lutzomyia longipalpis, díptero pertencente a Classe Insecta, Gênero Lutzomyia. Este mosquito é de tamanho pequeno, cor de palha, grandes asas pilosas dirigidas para trás e para cima, cabeça fletida, aspecto giboso do corpo e longos palpos maxilares. Seu habitat é o domicílio e o peridomicílio humano, onde se alimenta do sangue de cão, pessoas, outros mamíferos e aves. As fêmeas têm hábitos antropofílicos, pois necessitam de sangue para o desenvolvimento dos ovos. Durante a alimentação, introduzem no hóspede, através da saliva, um peptídeo que se considera um dos mais potentes vasodilatadores conhecidos.

1.6. Modo de transmissão

Não ocorre transmissão direta de pessoa a pessoa. No Brasil, é aceito pela maioria dos autores, que a principal forma de transmissão se faz a partir da picada dos flebótomos (Lutzomyia longipalpis) nos animais reservatórios.. Após 8 a 20 dias do repasto, as leishmanias evoluem no tubo digestivo destes insetos, que estarão aptos a infectar outros indivíduos.

1.7. Período de incubação

Varia de 10 dias a 24 meses, sendo em média de 2 a 4 meses.

1.8. Período de transmissibilidade

Os animais reservatórios permanecem como fonte de infecção enquanto persistir o parasitismo na pele ou no sangue circulante.

1.9. Sescetibilidade e imunidade

A suscetibilidade é universal, atingindo pessoas de todas as idades e sexo. Entretanto, a incidência é maior em crianças. Existe resposta humoral detectada através de anticorpos circulantes. A LV é uma infecção intracelular, cujo parasitismo se faz presente nas células do sistema fagocitário mononuclear, com supressão específica da imunidade mediada por células, que permite a difusão e a multiplicação incontrolada do parasitismo. Só uma pequena parcela de indivíduos infectados desenvolve sintomatologia da doença. A infecção, que pode regridir espontaneamente, é seguida de uma imunidade que requer a presença de antígenos, de onde se conclui que as leishmanias ou alguns de seus antígenos estão presentes no organismo infectado durante longo tempo de sua vida, depois da infecção inicial. Esta hipótese está apoiada no fato de que indivíduos imunossuprimidos podem apresentar quadro de LV muito além do período habitual de incubação.

2. Aspectos clínicos e laboraoriais

2.1. Manifestações clínicas

As manifestações clínicas da LV refletem o desequilibrio entre a multiplicação dos parasitos nas células do sistema fagocítico mononuclear (SFM), a resposta imunitária do indivíduo e o processo inflamatório subjacente. Observa-se que muitos infectados apresentam forma inaparente ou oligossintomática, e que o número de casos graves ou com cortejo de sintomatologia manifesta, é relativamente pequeno em relação aos infectados. Para facilitar o estudo, pode-se classificar a LV da seguinte forma:

• Inaparente: paciente com sorologia positiva, ou teste de leishmanina (Intradermoreação- IDRM) positivo ou o encontro de parasito em tecidos, sem sintomatologia clínica manifesta.

• Oligossintomática: quadro intermitente, a febre é baixa ou ausente, a hepatomegalia está presente, esplenomegalia quando detectada é discreta. Observase adinamia. Ausência de hemorragias e caquexia.

• Aguda: o início pode ser abrupto ou insidioso. Na maioria dos casos, a febre é o primeiro sintoma, podendo ser alta e contínua ou intermitente, com remissões de uma ou duas semanas. Observa-se hepatoesplenomegalia, adinamia, perda de peso e hemorragias. Ocorre anemia com hiperglobulinemia.

• Clássica: quadro de evolução mais prolongada que determina o comprometimento do estado nutricional, com queda de cabelos, crescimento e brilho dos cílios e edema de membros inferiores. Cursa com febre, astenia, adinamia, anorexia, perda de peso e caquexia. A hepatoesplenomegalia é acentuada, micropoliadenopatia generalizada, intensa palidez de pele e mucosas, conseqüência da severa anemia. Os fenômenos hemorrágicos são de grande monta: gengivorragias, epistaxes, equimoses e petéquias. As mulheres freqüentemente apresentam amenorréia. A puberdade fica retardada nos adolescentes e o crescimento sofre grande atraso nas crianças e jovens. Os exames laboratoriais revelam anemia acentuada, leucopenia, plaquetopenia (pancitopenia), hiperglobulinemia e hipoalbunemia.

• Refratária: é uma forma evolutiva da leishmaniose visceral clássica que não respondeu ao tratamento, ou respondeu parcialmente ao tratamento com antimoniais. É clinicamente mais grave, devido ao prolongamento da doença sem resposta terapêutica.

Os pacientes com LV, em geral, têm como causa de óbito as hemorragias e as infecções associadas, em virtude da debilidade física e imunológica.

2.2. Diagnóstico diferencial

Muitas entidades clínicas podem ser confundidas com a LV, destacando-se, entre elas, a enterobacteriose de curso prolongado (associação de esquistossomose com salmonela ou outra enterobactéria), cujas manifestações clínicas se superpõem perfeitamente ao quadro da leishmaniose visceral. Em muitas situações, esse diagnóstico diferencial só pode ser concluído por provas laboratoriais, já que as áreas endêmicas se superpõem em grandes faixas do território brasileiro. Soma-se a essa entidade outras patologias (malária, brucelose, febre tifóide, esquistossomose hepatoesplênica, forma aguda da doença de Chagas, linfoma, mieloma múltiplo, anemia falciforme, etc.)

2.3. Diagnóstico laboratorial

• Específico

  1. Exames sorológicos
- Imunofluorescência Indireta: considerado positivo em diluições maiores ou iguais de 1:40.

- ELISA: o ensaio imunoenzimático vem sendo cada vez mais utilizado e seu resultado é expresso em unidades de absorbância a um raio de luz, em uma reação com diluições fixas ou, mais comumente, apenas como reagente ou não.

É importante observar que títulos variáveis dos exames sorológicos podem persistir positivos por longo período, mesmo após o tratamento. Assim, o resultado de um teste positivo, na ausência de manifestações clínicas, não autoriza a instituição de terapêutica.

• Exame parasitológico: é realizado a partir da retirada de material preferencialmente da medula óssea, linfonodo ou do baço; no caso deste último, deve ser realizado em ambiente hospitalar em condições cirúrgicas.

• Inespecíficos: são importantes pois orientam tanto a suspeita diagnóstica quanto o processo de cura do paciente, em função das alterações que ocorrem nas células sangüíneas e no metabolismo das proteínas.
  1. Hemograma: em geral evidencia pancitopenia: diminuição das hemáceas, leucopenia, com linfocitose relativa, e plaquetopenia. A anaesonofilia (ausência de eosinófilos) é achado típico, não ocorrendo quando há associação com outras patologias, como a esquistossomose ou a estrongiloidose.
  1. Dosagem de proteínas: há uma forte inversão da relação albumina/globulina, com padrões tão acentuados quanto no mielonoma múltiplo.
2.4. Tratamento

• Primeira escolha: antimônio pentavalente (Antimoniato N-metil-glucamina). Visando padronizar o esquema terapêutico, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que a dose deste antimonial seja calculada em mg Sb+5/Kg/ dia. (Sb+5 significando antimônio pentavalente).

O único comercializado no Brasil é Antimoniato N-metil glucamina que se apresenta comercialmente em frascos de 5ml que contêm 1,5g do antimoniato bruto, correspondente a 405mg de Sb+5, e cada ml contém 81mg de Sb+5.

A dose recomendada é de 20mg/ Sb+5/Kg/dia, IV ou IM, com limite máximo de 3 ampolas/dia, por no mínimo 20 e no máximo 40 dias consecutivos.

  1. Contra-indicações: esta droga não pode ser administradas em gestantes, portadores de insuficiência renal ou hepática; arritmias cardíacas e doença de Chagas.
Deve-se fazer acompanhamento clínico e com exames complementares para detecção de possíveis manifestações de intoxicação (hemograma, uréia, creatinina, AST(TGO) e ALT(TGP) e ECG. Efeitos colaterais: artralgias, mialgia, prurido, adinamia, anorexia, náuseas, vômitos, plenitude gástrica, pirose, dor abdominal, febre, fraqueza, cefaléia, tontura, palpitação, insônia, nervosismo, choque pirogênico, edema, herpes zoster, insuficiência renal aguda e arritmias.

• Segunda escolha: quando houver resistência ao antimonial, a droga de segunda linha é a Anfotericina B. A dose diária é de 1mg/kg de peso/dia (limite máximo de 50mg por dia), entretanto deve ser iniciada com 0,5mg/kg de peso/dia até se atingir a dose total entre 1 a 1,5g. Cada mg deve ser reconstituída em 10 ml de água destilada e, no momento da administração, a solução deve ser diluída em soro glicosado a 5% na proporção de 1mg para 10 ml.

Devido ao risco de precipitação, a Anfotericina B não deve ser misturada com outros medicamentos ou soluções que contenham eletrólitos e deve ser infundida ao abrigo da luz. Deve ser sempre administrada, por via endovenosa, em infusão lenta de 4-6 horas com limite máximo de 50mg/dose/dia, em dias consecutivos, por um período de 14 dias, e sob orientação e acompanhamento médico, em hospitais de referência, em virtude de sua toxicidade.

3. Aspectos epidemiologicos

Nas Américas, a Leishmania chagasi é encontrada desde os Estados Unidos até o norte da Argentina. Casos humanos ocorrem desde o México até a Argentina. No Brasil, é uma doença endêmica com registro de surtos freqüentes. Inicialmente, sua ocorrência era limitada a áreas rurais e a pequenas localidades urbanas mas, atualmente, encontra-se em franca expansão para grandes centros. Assim, observouse no início da década de 80 surto epidêmico em Teresina e, de lá para cá, já se diagnosticou casos autóctones em São Luís (MA), Fortaleza(CE), Natal(RN), Aracaju(SE), Belo Horizonte(MG), Santarém(PA) e Corumbá(MS). Está distribuída em 19 estados da federação, atingindo quatro das 5 regiões brasileiras. Sua maior incidência encontra-se no Nordeste com 92% do total de casos, seguido pela região Sudeste (4%), a região Norte (3%), e, finalmente, a região Centro-Oeste (1%).

Tem-se registrado em média cerca de 1.980 casos por ano. O coeficiente de incidência da doença tem alcançado 20,4 casos/100.000 habitantes, em algumas localidades de estados nordestinos, como Piauí, Maranhão e Bahia. As taxas de letalidade, de acordo com os registros oficiais, chegam a 10% em alguns locais.

4. Vigilância epidemiológica

4.1. Objetivos

Os objetivos do Programa de Controle são: reduzir as taxas de letalidade, grau de morbidade e riscos de transmissão, mediante controle da população de reservatórios e do agente transmissor, além do diagnóstico e tratamento precoce dos casos humanos da doença.

4.2. Definição de caso

4.2.1. Suspeito: todo indivíduo proveniente de área endêmica ou onde esteja ocorrendo surto, com febre há mais de duas semanas, ou outras manifestações clínicas da doença.

4.2.2. Confirmado de doença
• Critério clínico-laboratorial: paciente com manifestações clínicas compatíveis com leishmaniose visceral (febre, astenia, adinamia, anorexia, perda de peso/ caquexia, hepatoesplenomegalia micropoliadenopatia, anemia, gengivorragias, epistaxes, equimoses e petéquias) e que apresente teste sorológico (IFI com diluição igual ou maior que 1:40, ou ELISA positivo) ou exame parasitológico positivo. De acordo com a sintomatologia, o caso então é classificado em uma das formas clínicas: inaparente, oligossintomática, aguda, clássica e refratária.

• Critério clínico-epidemiológico: todo indivíduo procedente de área endêmica, com quadro clínico compatível com leishmaniose visceral e que respondeu favoravelmente ao teste terapêutico.

4.2.3. Descartado

• Casos suspeitos com exames sorológicos e/ou parasitológicos negativos, sem manifestações clínicas.

• Casos suspeitos que após investigação clínico laboratorial se confirma outro diagnóstico.

4.2.4. Infecção: todo o indivíduo com exame sorológico ou parasitológico positivo, sem manifestações clínicas. Estes casos podem ser detectados em investigações clínicas-laboratoriais ou quando se realiza inquéritos sorológicos.

4.3. Notificação

É uma doença de notificação compulsória e que requer investigação epidemiológica, visando identificar novos focos da doença, cujo instrumento é a ficha do SINAN.

4.4. Primeiras medidas a serem adotadas

Assistência médica ao paciente: os casos graves de leishmaniose visceral devem ser internados e tratados em hospitais de referência, e os leves ou intermediários podem ser assistidos a nível ambulatorial. A atenção às populações das áreas endêmicas, a princípio deve ser centrada na ocorrência da doença em crianças, já que a maioria dos casos ocorre na faixa etária até nove anos. Todavia, é crescente o número de casos em adultos, em vários casos agravados pela coinfecção Leishmania+HIV, associação cada vez mais freqüente. As infecções associadas devem ser tratadas de acordo com cada agravo.

Qualidade da assistência: é comum o encontro de casos da doença com longo período de evolução, o que reflete, por um lado, a demora com que os doentes chegam aos serviços de saúde, e, por outro, o despreparo da Rede Básica de Saúde para o pronto reconhecimento dos casos. Deste modo, se a área é endêmica, o serviço de vigilância local deve promover treinamento de profissionais, para realizar o pronto diagnóstico e tratamento dos casos. Em situações de surtos, fazer busca ativa de casos, encaminhando os suspeitos para atendimento médico adequado.

Confirmação diagnóstica: verificar se a equipe de assistência solicitou os exames específicos do(s) paciente(s), de acordo com orientações do Anexo 1.

Proteção da população: em áreas em que a transmissão ativa já está estabelecida, verificar se as medidas de controle indicadas estão sendo adotadas e se são suficientes.

4.5. Investigação epidemiológica

Deve ser realizada com o propósito de obter-se dados sobre o caso, mediante o preenchimento da ficha de investigação apropriada, com o objetivo de se determinar o local ou locais de riscos e onde possivelmente ocorreu a transmissão da doença. A investigação deve ser realizada em todos os casos notificados, seja em áreas endêmicas, seja nas áreas indenes vulneráveis, caracterizadas por riscos epidemiológicos (presença de reservatório, vetor, populações humanas vulneráveis), ambientais (áreas de invasão) e sociais (baixo nível de escolaridade); esses elementos, auxiliam no conhecimento da extensão do foco de transmissão e, por conseguinte, servem como ferramentas para o dire-cionamento do emprego das ações de controle. Quando da conclusão da investigação, o caso deverá ser classificado como autóctone, se a transmissão ocorreu no mesmo município onde ele foi investigado, como importado, se a transmissão ocorreu em outro município daquele em que ele foi investigado, ou como indeterminado, se o local da transmissão é inconclusivo.

4.6. Roteiro da investigação epidemiológica

4.6.1. Identificação do paciente: a identificação do paciente, deve ser feita da forma mais completa possível, preenchendo todos os campos da ficha de Investigação do SINAN, relativos aos dados gerais, notificação individual e dados de residência.

4.6.2. Coleta de dados clínicos e epidemiológicos

• Para confirmar a suspeita diagnóstica: feita a partir de informações obtidas junto ao paciente, ou seu acompanhante, quanto à área de procedência do indivíduo, conhecimento da ocorrência de outros casos, presença do vetor e cães infectados. Atentar principalmente, quando for criança com quadro de febre prolongada, já que a maioria dos casos ocorre em menores de 9 anos de idade e destes, 65%, estão situados na faixa etária abaixo de 4 anos. A história clínica, conjuntamente com a realização de exames laboratoriais, são elementos essenciais para a confirmação diagnóstica. Outra maneira de confirmar o diagnóstico é quando existe forte suspeita diagnóstica e a instituição da terapêutica é seguida de resposta favorável (prova terapêutica).

• Para identificação da área de transmissão: buscar estabelecer o possível local onde o paciente ou pacientes se infectaram, de acordo com a história epidemiológica e conhecimento de ocorrência de outros casos em períodos anteriores. As áreas clássicas de transmissão são os pés de serra e boqueirões,

contudo, com a modificação gradativa do ambiente, pela ação antrópica, e a conseqüente destruição dos ecótopos de vetores e reservatórios, a urbanização da doença é hoje uma realidade, principalmente, nas periferias das cidades.

4.6.3. Determinação da extensão da área de transmissão: o conhecimento daextensão da área de transmissão pode ser obtido com a utilização da Vigilância Entomológica, para a detecção precoce da presença da Lutzomyia longipalpis, sua distribuição e densidade e também pelo diagnóstico de animais infectados e busca ativa de casos humanos.

• se a área é endêmica, procurar verificar se as medidas de controle estão sendo sistematicamente adotadas;

• se for um novo foco, comunicar imediatamente aos níveis superiores do sistema de saúde e iniciar o emprego das medidas de controle;

• iniciar busca ativa de casos, visando tratar precocemente os casos, delimitar a real magnitude do evento e verificar se o caso é importado ou autóctone. Caso seja importado, notificar ao município de origem do caso;

• acompanhar a adoção das medidas de controle, avaliando os dados da população canina infectada, existência de reservatórios silvestres, densidade da população de vetores, etc;

• avaliar a taxa de letalidade para discussão e melhoria da assistência médica prestada aos pacientes, inclusive verificando se o tratamento está sendo conduzido de acordo com o padronizado.

Instituir a Vigilância Entomológica para monitorar a extensão e níveis de infestação pela Lutzomyia longipalpis, inclusive nas áreas silenciosas. Para o conhecimento da distribuição do vetor, é importante conhecer os fatores climáticos, como índice pluviométrico e temperatura, que podem auxiliar na identificação de áreas com potencial para a ocorrência da transmissão. O monitoramento de indicadores sócio-biológicos também pode ajudar na identificação dessas áreas que possam representar riscos.


Áreas silenciosas: são aquelas endêmicas que se encontra sem registro de caso humano e/ou canino ou presença do vetor, por um período mínimo de 12 meses.

Conduta frente a surtos: adoção das primeiras medidas de atenção aos pacientes e estabelecer cronologia dos casos e a distribuição geográfica dos mesmos. Em seguida, definir as medidas de controle que devem ser planejadas de acordo com a situação. Notificar aos níveis hierárquicos superiores e iniciar campanhas de educação em saúde para a população, repasse de informações aos profissionais de saúde das instituições da Rede Básica e à população.

4.6.4. Identificação de vetores e reservatórios: se for uma nova área de transmissão, ou se ainda não tiver sido investigada, buscar identificar possíveis reservatórios e vetores envolvidos na cadeia epidemiológica. Além disso, verificar quais os fenômenos (intervenções ambientais, urbanização/expansão da doença) que estão propiciando a ocorrência de casos.

4.6.5. Análise de dados: a análise dos dados das investigações deve permitir a avaliação da magnitude do problema, distribuição segundo pessoa, tempo e espaço. Assim, os dados coletados no processo, além de permitirem estabelecer a área e extensão de transmissão deve indicar qual a possibilidade de continuidade da transmissão, população sob risco, qual a extensão que as medidas de controle devem assumir, dentre outras.

Os dados devem ser interpretados, passo a passo, em casos de surtos e orientar o aprimoramento tanto das medidas de prevenção, quanto da necessidade de aprimoramento da qualidade da assistência, de acordo com dados de letalidade e proporção de curas. Em áreas de transmissão endêmica, análises periódicas devem ser realizadas, para se avaliar a efetividade das medidas de controle e qual a progressão da situação epidemiológica, tais como: redução ou elevação da incidência, expansão ou limitação das áreas de transmissão, intervenções ambientais que possam estar contribuindo para o agravamento do problema, etc.

4.6.6. Encerramento de casos

• Confirmado
  1. Critério clínico: os critérios de encerramento de casos são essencialmente clínicos, quando não apresentem sinais ou sintomas da doença, após seis meses do encerramento do tratamento.
• Descartado: serão descartados os casos sem manifestações clínicas compatíveis com a doença e/ou que os resultados de exames laboratoriais sejam negativos.

4.6.7. Relatório final: no relatório a ser elaborado, deverão constar, de maneira sucinta e objetiva, as informações, acerca das pessoas, lugar e tempo da ocorrência da transmissão, assim como as medidas que foram tomadas e o impacto gerado, quanto à redução da incidência dos casos humanos. Além disso, descrever os fatores de riscos que geraram a transmissão e, por conseguinte, o monitoramento nas áreas em que será implementada a vigilância epidemiológica.

5. Intrumentos disponíveis para controle

No atual estágio do conhecimento, o controle destas infecções ainda não é muito efetivo, e está centrado na eliminação dos reservatórios, redução da população de flebótomos e tratamento precoce dos casos.

• Eliminação de reservatórios: realização de inquérito sorológico canino nas áreas consideradas de risco de transmissão, devendo-se estabelecer previamente a delimitação da área no município a ser submetida ao inquérito. Esta delimitação deve-se basear em critérios epidemiológicos, como presença do vetor, ocorrência de casos humanos, presença de reservatórios infectados, detectados em inquéritos realizados anteriormente, além de indicadores sócio-econômicos e ambientais que devem ser construídos para cada área de risco. Esta estratégia visa a priorização das áreas de risco que serão avaliadas, para caracterização de situação de transmissão. Deve ser abolida a prática da realização de inquéritos censitários, em escala municipal, que não utilizam nenhuma racionalidade epidemiológica.

Nestas áreas deverão ser realizadas: eutanásia de cães errantes e domésticos infectados, detectados nos inquéritos sorológicos. Os exames utilizados são:Imunofluorescência e ELISA. Os cães com manifestações clínicas da doença também devem ser eliminados, mesmo sem exame sorológico. Nas unidades onde se dispuser de condições para a realização do exame parasitológico, é recomendável que este seja realizado. A extensão da área de inquérito deve ser igual àquela que tenha sido delimitada para o controle do vetor, de modo que ambas as ações sejam empregadas simultaneamente, cobrindo toda a área que se tenha considerado como foco.

• Controle vetorial: realização de inquérito entomológico como subsídio ao controle vetorial, que deve ser exercido pela aplicação do controle químico, utilizando-se inseticidas de efeito residual nos domicílios e nos anexos (galinheiros, chiqueiros e estábulos).

• Tratamento de casos humanos: diagnóstico precoce e instituição de tratamentocorreto, de acordo com as normas descritas neste manual. Além disso, deve-se
proceder à busca ativa de casos, cuja atenção deve estar centrada nas populações vulneráveis. Fomentar programas de suplementação alimentar destinados às populações carentes. Os profissionais de saúde, que atuam no Programa de Saúde da Família (PSF), têm um papel fundamental na detecção e encaminhamento dos casos suspeitos para confirmação diagnóstica.

• Educação em Saúde: de acordo com o conhecimento dos aspectos culturais, sociais, educacionais, das condições econômicas e da percepção de saúde de cada comunidade, ações educativas devem ser desenvolvidas no sentido de que as comunidades atingidas aprendam a se proteger e participem ativamente das ações de controle da doença.

As ações de mobilização comunitária são de fundamental importância, no sentido de que as populações residentes em áreas endêmicas, possam, uma vez informadas, adotar medidas que auxiliem na preservação do meio ambiente e, por conseqüência, na diminuição dos riscos de transmissão da infecção. Ademais, ao se evitar a presença de animais no domicílio, nas áreas endêmicas, assim como dar destino adequado ao lixo, são fatores que interferem favoravelmente na proteção das pessoas.

Anexo 1 - Normas para procedimentos laboratoriais

1. Exame parasitológico

Na leishmaniose visceral nos tecidos do sistema reticuloendotelial, onde se incluem baço, medula óssea, fígado, linfonodos, mucosa intestinal e sangue periférico, a leishmania pode ser visualizada através de exame direto por diversos métodos de coloração à base de Romanovsky. Giemsa, Leisman e Wright são os corantes mais comumente empregados.

Quando o paciente tem uma suspeita de leishmaniose visceral, para a demonstração do parasito procede-se ao aspirado de medula óssea. Fazem-se duas lâminas e o restante do material reserva-se para inoculação em meios de cultivo ou em animais, se disponível.

Tanto o esfregaço como a impressão, devem ser realizados sobre lâmina de vidro previamente desengordurada e seca. O material coletado deve ser fixado em metanol, durante 3 minutos e corado pelas técnicas de Giemsa ou Leishman. Como método alternativo, em alguns centros de referência, tem sido utilizado o método panóptico rápido.

1.2. Histopatologia

O mielograma do Calazar é bastante característico, evidenciando alterações significativas na relação E/G (setor eritrocitário/setor granulocitário), verifica-se pobreza na série granulocítica e plaquetária, porém há uma intensa plasmocitose com grande quantidade de células mononucleares. Muitas vezes, se o parasitismo é intenso, os macrófagos estão repletos de formas amastigotas de leishmania no interior do citoplasma. Tanto em baço, como fígado e linfonodos, a proliferação de células do sistema histiofagocitário pode ser verificada.

1.3. Cultivo

O material do aspirado de medula óssea, baço ou outros tecidos, provenientes de biópsia, devem ser inoculados diretamente em meios de cultivo apropriados.

O parasita cresce relativamente bem em meios de cultivo, como o NNN e o LIT entre 24° a 26° C. Após o quinto dia, já podem ser encontradas formas promastigotas do parasita, devendo-se manter a cultura até um mês.

1.4. A inoculação em animais de laboratório

O animal de escolha é o hamster (Mesocricetus auratus) e a inoculação tem que ser por via intraperitoneal. Todavia, os hamsters, inoculados por via intraperitoneal para isolamento de cepas viscerotrópicas, podem somente evidenciar sinais sugestivos de infecção, após seis meses de inoculados.

2. Diagnóstico imunológico

2.1. Imunofluoresacência indireta (IFI)

Expressam os níveis de anticorpos circulantes.

A reação de Imunofluorescência Indireta (IFI) tem sido amplamente usada no diagnóstico das leishmanioses desde 1964. O conjunto apresentado é utilizado na detecção de anticorpos contra Leishmania, em soro humano e canino. O ensaio de imunofluorescência indireta consiste na reação de soros com parasitas (Leishmania), fixados em lâminas de microscopia. Numa etapa seguinte, utiliza-se um conjugado fluorescente, para evidenciação da reação. A leitura é realizada com auxílio de microscópio, que utiliza incidência de luz azul e ultra-violeta.

Os resultados positivos são aqueles que, a partir da diluição 1:40, inclusive,apresentarem fluorescência mais intensa que o back-ground observado no orifício do controle negativo.

2.2. Teste imunoenzimático (ELISA)

Desde que foram introduzidos em 1971, os métodos imuno-enzimáticos nos diagnósticos sorológicos vêm sendo avaliados para detecção de anticorpos específicos na leishmaniose visceral.

Este ensaio consiste na reação de soros de cães com antígenos solúveis e purificados de Leishmania (complexo L. donovani), obtidos a partir de cultura “in vitro”, que são previamente absorvidos nas cavidades de microplacas/strips (fase sólida). A seguir adicionam-se, devidamente diluídos, os soros controle do teste e as amostras a serem analisadas, que possuindo anticorpos específicos, vão se fixar aos antígenos.
Na etapa seguinte, ao se adicionar uma anti-globulina de cão marcada com a enzima peroxidase, esta se ligará aos anticorpos caso estejam presentes.

Amostras reagentes são aquelas que apresentam densidade ótica igual ou superior ao Cut-Off.

3. Detecção de antígenos por sondas de DNA e PCR

O advento da utilização da reação em cadeias de polimerase (PCR) tem permitido a amplificação de DNA e, conseqüentemente, viabilizando um instrumento diagnóstico espécie-especifíco para o diagnóstico nas doenças infecciosas. Na leishmaniose, as análises de minicírculos de DNA do cinetoplasto têm permitido o desenvolvimento do oligonucleotídeos sintéticos para o uso do PCR.

Todo material deverá ser enviado devidamente identificado e acompanhado de informações clínicas, para orientar os técnicos do laboratório quanto aos exames indicados.

Lembrar que, o perfeito acondicionamento das amostras, para remessa é de fundamental importância para o êxito dos procedimentos laboratoriais.

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