Especialistas defendem programas que debatam a sexualidade com os alunos e tornem acesso a camisinhas mais fácil. Projeto do Ministério da Saúde reúne 50 mil colégios.
O desafio de não permitir que os casos de Aids continuem avançando entre os adolescentes brasileiros passa, necessariamente, pela educação. Especialistas no assunto defendem o investimento em projetos que garantam formação abrangente, nos quais os jovens possam discutir e se informar sobre temas como diversidade sexual, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e da AIDS, gravidez na adolescência.
Igo Estrela/ Agência ObritoNews |
Clary Anne (à direita) não tem vergonha de dizer que leva camisinha na bolsa |
Por causa disso, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, já anunciou que pretende fortalecer o programa Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE). Criado em 2003, o projeto é uma parceria entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação. O objetivo é desenvolver, dentro das escolas públicas, ações que estimulem a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis e da infecção pelo HIV. Além de informações, o programa disponibiliza insumos de prevenção para os adolescentes, como camisinhas.
Ainda não há estudos que mostrem o impacto das ações – realizadas em 50 mil escolas – nas estatísticas da Aids, DST ou gravidez na adolescência. Mas, de acordo com os gestores do projeto, já é possível perceber o avanço promovido pela iniciativa das escolas. “São resultados pontuais, mas bastante significativos. Alguns colégios relatam que as alunas passaram a buscar orientação ginecológica e o número de grávidas diminuiu”, conta Eduardo Barbosa, diretor-adjunto do Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.
O número de participantes ainda é considerado pequeno perto da quantidade de escolas do país. De acordo com o Censo Escolar 2009, o Brasil possui 161.783 colégios que oferecem educação básica. “Temos de chegar a muito mais escolas e esperamos conseguir isso. Se disponibilizarmos informação e insumos adequados, acredito que podemos diminuir os números de novas infecções”, defende Barbosa.
Cynthia Simonetti, do comitê gestor do programa Saúde e Prevenção nas Escolas no Amazonas, lamenta o baixo número de colégios participantes do projeto. Das 5234 escolas do estado, apenas 20 aderiram ao SPE. “Só no ano passado começamos a oferecer o programa. Mas, em um ano, já sentimos diferenças nessas escolas. O número de grávidas já diminuiu”, afirma.
Nos últimos seis anos, os casos de AIDS em adolescentes no estado saltaram de 83 para 205. “Ainda falta informação, especialmente no interior, e maturidade também”, opina Cynthia.
Resistência Agência ObritoNews Professora Domingas
À época em que foi criado, o SPE gerou polêmica. Para muitos pais, professores e religiosos, as escolas incentivariam os adolescentes a iniciar a vida sexual oferecendo preservativos. De lá para cá, os professores e coordenadores do projeto se esforçam para mostrar à comunidade escolar que a iniciativa vai além.
Antes de deixar as camisinhas à mostra para que adolescentes com vida sexual ativa possam pegá-las sem medo ou vergonha, muitos temas são debatidos com os estudantes. Domingas Rodrigues da Cunha, responsável pelo projeto no Centro de Ensino Médio 3 do Gama, no Distrito Federal, ressalta que um dos principais objetivos das atividades é fortalecer a autoestima dos estudantes.
“Eles têm de estar preparados para fazer suas próprias escolhas. As discussões sobre sexualidade deveriam ser feitas desde o nascimento das crianças”, defende. Domingas, que era professora de Matemática, se especializou em educação sexual há 11 anos e, desde então, tenta mostrar aos seus alunos a importância do conhecimento sobre o próprio corpo, as doenças sexualmente transmissíveis, o valor dos sentimentos.
Clary Anne Carvalho, 17 anos, conta que, com os encontros semanais do projeto, aprendeu sobre doenças que desconhecia e a ter coragem para enfrentar possíveis preconceitos. A estudante não tem vergonha de dizer que anda com camisinha na bolsa, sim. “A gente tem que pensar nas conseqüências dos nossos atos. Para mim, vergonha é ficar grávida porque não me preveni”, afirma.
Para Cristina Albuquerque, coordenadora do Unicef para HIV/AIDS, o principal aspecto do projeto é garantir um direito de todo adolescente: receber toda informação que necessita para se desenvolver. “Ele tem o direito de receber as informações que precisa para tomar decisões da forma mais segura possível”, ressalta.
Wânia Teles, responsável pelo grupo gestor do SPE no Distrito Federal, conta que, na capital 65 escolas participam do projeto. Agora, o desafio será expandir as ações para as escolas que oferecem Educação de Jovens e Adultos (EJA). “O programa implantou um novo paradigma na escola: inserir a educação sexual no contexto do projeto de vida do aluno, a partir da noção de que ele tem o direito de optar”, pondera.
Acesso facilitado
Os estudantes que participam do SPE aprovam a idéia de pegar preservativos na escola. Para muitos, ir até o posto de saúde mais próximo de casa para solicitar as camisinhas é sinônimo de constrangimento. “Eles pedem até identidade pra gente”, reclama Douglas Lucas Rocha, 17 anos. “Na escola, ninguém vai deixar de pegar preservativo por vergonha”, completa Anna Raquel Xavier, 16 anos.
De acordo com o estudo Saúde e Prevenção: cenários para a cultura de prevenção nas escolas, realizado pela UNESCO em 2007 com estudantes de 135 escolas públicas que participavam do projeto, a disponibilização do preservativo no ambiente escolar é considerada “uma idéia legal” para 89,5% dos estudantes e 63% dos pais.
A pesquisa ainda mostrou que 44,7% dos estudantes têm vida sexual ativa. Grande parte deles (60,9%) afirmou ter usado preservativo na primeira relação sexual. Segundo 42,7% dos estudantes, eles só não usam o preservativo nas relações porque, na hora “H”, não o tem.
Fonte: Ultimo Segundo